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Mais do que uma perda

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Estávamos na última semana do 3º ano do ensino médio. Acho que no penúltimo dia de aula, na verdade. A prova já tinha sido entregue, corrigida e devolvida. Todo mundo já tinha feito todas aquelas contas enormes, que envolviam os pesos de cada prova, pontos extras, arredondamentos e que, por maiores que fossem, só chegavam em dois possíveis resultados: passou ou não passou. Alguns jogavam STOP, outros aquele jogo de Quem Sou Eu. Tinha gente conversando, aproveitando os últimos momentos naquela sala com aquelas pessoas e, claro, tinha gente estudando pra bateria de vestibulares que ainda estava pela frente. 

Foi aí que me dei conta de que não veria mais aquele meu professor de língua portuguesa, e que tinha milhares de coisas pra falar pra ele. Poderia falar o quanto aqueles anos tinham marcado a minha vida, o quanto tinham sido importantes não só para a decisão do curso que eu estava prestes a prestar no vestibular, mas também pra minha formação de opinião. Poderia falar o quanto eu o admirava, por ter escolhido aquela profissão, e por fazer dela um dos seus maiores objetivos de vida, como já havia compartilhado conosco. Mas decidi ir perguntar outra coisa que eu queria saber. Era só uma curiosidade. Fui até a mesa dele e perguntei como tinha sido o processo do lançamento do seu livro. Queria saber se tinha sido convidado pela editora, ou se tinha ido atrás. E ele me contou. Sobre cada etapa, cada dificuldade que teve, cada sufoco, cada noite mal dormida. Mas também me contou sobre como era gratificante e um sonho realizado ver seu livro pronto, nas estantes e nas mãos de outras pessoas. E eu? Achei aquilo lindo e passei a admirá-lo mais ainda.

O sinal bateu, e no final da conversa ele me contou que já estava terminando de escrever o segundo livro. Então eu disse "me avisa quando for o lançamento então, tá?" 
E ele respondeu: "com certeza. E você também, Anita, me avisa quando for lançar o seu".
Ele viu minha expressão de interrogação e me explicou que percebia o quanto eu gostava de escrever e o quanto estava feliz em saber que eu iria prestar Pedagogia. "Você vai ter muitas histórias pra contar"

Eu fiquei arrepiada. Voltei pro meu lugar, contei pras minhas amigas e elas também ficaram. Cheguei em casa, contei pra minha mãe, que até chorou. Nunca esqueci isso. Sabe, eu queria poder voltar no tempo e dizer pra ele tudo que deixei de dizer naquele dia. Porque agora não dá mais. Hoje ele se foi. E por mais que eu acredite que tudo na vida acontece como deve acontecer, não dá pra evitar o nó na garganta que me impede de sorrir no dia de hoje. Mas, olha, fechar os olhos e agradecer por ter tido a presença dele durante alguns anos da minha vida e imaginar que ele está bem agora, já é algo que conforta. 

Existem coisas que a gente só percebe depois de um tempo, seja porque amadureceu, ou simplesmente porque saiu de dentro. Quando isso acontece, a melhor coisa é encarar os dias que seguem como uma forma de se redimir, fazendo acontecer o que antes não estava no planejado. Porque tem coisas que a gente não entende. Tem coisas que a gente não espera. Tem coisas que a gente não faz ideia do impacto que vai ter nas nossas vidas. Mas quando a percepção chega, não dá pra deixar pra lá. A sensação vai estar sempre presente e, partir desse momento, se torna mais um aprendizado. Do mesmo jeito que a gente aprendeu do melhor jeito possível e nunca, nunca mais vai esquecer: "não pise NA grama" não existe.